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As entrevistas sensíveis

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Como podemos esperar manter uma conversa produtiva, quer estejamos em ambiente de UX ou pesquisa exploratória para Service Design, e daí retirar bons insights quando o nosso objeto de estudo é, por natureza, sensível? A probabilidade de sermos mal interpretados cresce quando não analisamos e não nos ajustamos aos sinais que a pessoa exprime. O corpo conta histórias, mesmo quando não queremos. É um dos trunfos para as entrevistas sensíveis, mas há mais.

Comecemos pelo início. O que é afinal uma entrevista sensível? É o entrevistado ou o assunto? Bom, de facto, podem ser os dois.

O sistema bancário tem classificações que determinam se um cliente tem maior ou menor risco. Ou seja, na prática, se no futuro estará mais ou menos exposto ao incumprimento de uma possível dívida daquele cliente. Aqui nós também conseguimos prever quando uma entrevista poderá ser sensível e assinalar alguns pontos de alerta.

Algumas entrevistas começam com o entrevistado numa posição defensiva, ou podem adotá-la no decorrer da entrevista. Faz parte do trabalho do researcher colocar a pessoa à vontade, de forma a que esta não sinta que está a ser avaliada, ou assegurar que não assume alguma forma de autoridade. Devemos informar, antes do conjunto de perguntas de “aquecimento”, qual o nosso papel dentro da organização e as fronteiras do nosso trabalho, de forma a deixar o entrevistado mais à vontade. É também importante esclarecer que o nosso papel não é o de julgar ninguém e que não existem respostas certas ou erradas. Isto ajuda a prevenir respostas enviesadas, desonestas ou aquelas que as pessoas pensam que são as que queremos ouvir.

Mas o que pode ser sensível?

Alguns casos são já elencados a priori: doença, traumas (físicos ou psicológicos), dinheiro (ou a falta dele), família, crimes e ainda alguns temas que podem ser imprevisíveis.

Há uns anos, durante uma pesquisa etnográfica em casa de um entrevistado, uma conversa, à partida simples, acerca de hábitos, amizades e relações sociais, descobriu abusos psicológicos por parte de um membro familiar. Era o meu primeiro contacto com o entrevistado e a técnica dos cinco porquês levou a esta descoberta. Nessa altura, despi-me do meu papel de researcher e continuei a ser pessoa, que sentiu que o outro precisava de um abraço. Esse foi o momento que transformou todos os momentos de pesquisa subsequente, com aquela pessoa, e que permitiu uma investigação mais profunda do que em qualquer outro entrevistado. O ponto chave, para aquele entrevistado, foi a necessidade de falar e de ser ouvido, que foi expressada de uma forma emocional.

Confrontados com uma entrevista sensível, devemos ainda refletir sobre o que torna o assunto ou uma questão particularmente sensível para aquele entrevistado. O que espoleta e atribui importância a determinado assunto em detrimento de outro? Será que essa mesma questão foi uma necessidade não expressada pelos anteriores entrevistados? Explorando esse campo podemos encontrar insights valiosos. Conseguir explorar as questões do “incómodo” sem tornar a entrevista mais desconfortável distingue uma boa entrevista de uma muito boa…

Dicas: Como tratar uma entrevista sensível?

1 — Guiões

Os tipos de guiões que preparamos podem tornar a propensão de adaptação a uma entrevista mais ou menos fácil. Um guião estruturado, com perguntas rígidas, não nos permite, sem dele fugirmos, ter a capacidade de adaptação necessária a muitas questões que à partida poderão, sem investigação, submergir e não ser atendidas. (Este tipo de guião pode ser útil quando gerimos uma equipa de vários entrevistadores). Um guião semiestruturado, em que as questões podem assumir o formato de tópicos de discussão, permite-nos ter flexibilidade para podermos comparar as respostas de vários entrevistados, mas igualmente adaptarmo-nos às situações que podem surgir, como muitas vezes no caso de entrevistas mais sensíveis.

2 — Pensar alto

Utilizo muito esta técnica durante as entrevistas. Permite envolver o entrevistado na minha dúvida e no porquê de querer explorar mais a questão. Não é um simples porquê (ou cinco porquês repetidos) mas o enquadramento do porquê. Quando dizemos que nas entrevistas a empatia é muito importante, é um facto, mas ela acontece para os dois lados: o nosso com o entrevistado e o do entrevistado connosco. Ao pensar alto na minha dúvida, permito à pessoa acompanhar-me no raciocínio da mesma forma que o acompanho no seu à medida que responde às questões.

3 — Reformular a questão

Imaginemos este cenário: chegámos à questão dos 10 milhões. A mais importante de todas. Fazemos a pergunta que tínhamos planeado. E a resposta é um tiro ao lado, chuta para canto, causa incómodo e o entrevistado desvia o assunto. Ao contrário de um concurso televisivo, podemos sempre perguntar de outra forma, ou mesmo partir a pergunta em várias:

  • mantemos a essência e reformulamos a questão. Imaginemos que queremos saber como melhorar a comunicação médico / paciente, podemos perguntar “Que tipos de alternativas podemos utilizar para explicar diagnósticos e intervenções?” ou podemos utilizar-nos como exemplo “Nunca consigo perceber bem o que o médico me diz, parece que está sempre a faltar alguma coisa, mas tenho medo de lhe perguntar para não parecer burra. Isto acontece consigo? Não sei o que possa fazer…”
  • fazemos perguntas mais “leves” de forma a ganhar de novo o entrevistado, depois voltamos a metade da pergunta inicial para aplicar de novo a mesma técnica e permitir o regresso à zona de conforto, para no fim perguntar o restante. A vantagem desta técnica é que, bem feita, permite-nos continuar a manter a entrevista num registo “confortável”.

4 — Observação corporal

A observação corporal deve ter em conta, também, o contexto em que nos encontramos a realizar a entrevista. Se, à partida, for num local onde o entrevistado se sinta “estranho”, isso vai condicionar o comportamento. A regra de ouro é evitar sentarmo-nos frente a frente com o entrevistado. Vai parecer um confronto e não uma conversa.

Um truque para ganhar a confiança da pessoa é mimetizar alguns gestos. Não necessariamente na mesma altura, mas o facto de as duas pessoas poderem estalar os dedos, ajustar os óculos ou “falar com as mãos” vai gerar empatia no outro e quebrar naturalmente barreiras que possam existir.

É importante igualmente procurarmos alguns sinais de postura defensiva, como inquietação no lugar (as chamadas cadeiras com picos), os braços cruzados, o olhar para trás e demorar muito tempo antes de responder a qualquer questão. Nessa altura, podemos optar por fazer as tais questões mais “leves” para o fazer regressar à zona de conforto.

5 — Arriscar o conflito

Sendo a empatia o maior trunfo do researcher, por vezes temos de marcar a nossa posição, não de uma forma agressiva, mas sim assertiva. Respeitoso e direto, insistir na questão. Apesar do possível desconforto inicial, esta postura pode aumentar a confiança e respeito do entrevistado no nosso trabalho e na importância da sua realização.

A vantagem em confrontar ou explorar a razão do conflito é que pode providenciar novos insights e uma nova linha de questões pode ser aberta.

Resumindo, ter uma estrutura de perguntas preparada, que seja o flexível o suficiente para se adaptar, ter atenção aos detalhes, envolver o entrevistado no nosso pensamento lógico e ser assertivo.

No fim, é importante acabarmos a entrevista numa nota positiva, até dar alguma informação sobre os próximos passos, já que aquele momento pode ter sido sensível para o entrevistado, mas também o é igualmente para nós. A sensação de tensão não pode passar para o restante trabalho de pesquisa, nem contaminar os entrevistados seguintes. É essencial, quando isso acontece, ter algum tempo para recuperar emocionalmente.